
Imagem: funnyjunk.com
Um porto de abrigo para nómadas do tempo, velhos lobos e incuráveis e incorrigíveis nostálgicos... Porque a memória é um património inalienável.
Prosseguiu ontem, no Tribunal de Paris, a audiência de julgamento, conhecida por "Angolagate", que aborda a "venda ilegal" de armas russas a Angola e corrupção, sendo referenciado o eventual envolvimento, nos ilícitos, de altas personalidades francesas e angolanas, nomeadamente a do Presidente José Eduardo dos Santos.
Pierre Falcone, referenciado como cérebro do negócio, terá pago mais de 500 mil euros a cerca de 50 raparigas que, entre 1997 e 2000, acompanharam, na capital francesa, ministros e altos funcionários angolanos. Para além de dinheiro, as acompanhantes eram recompensadas com prendas suplementares. A recrutadora das acompanhantes chegou mesmo a comprar, para os angolanos, lugares para assistirem a partidas no Torneio Roland Garros e alugado um camarote no Estádio de França para o Mundial de 1998, este "mimo" na módica quantia de 300 mil euros.
Não há ainda arguidos constituídos.
No Verão do ano transacto, numa deslocação a Lisboa, vi-me na necessidade súbita de prolongar a estadia, sendo-me reservado um quarto no Hotel Sana-Malhoa. Cumpridas as habituais formalidades, desloquei-me para o bar do hotel para relaxar o final de tarde de um dia complicado. No balcão do bar estavam 3 africanos, de ar muito executivo, que, de voz e discurso amplificado, arrasavam desapiedadamente tudo quanto era português, endeusando as maravilhosas nuances da sua "democracia", da sua estratégia empresarial, da sua economia, da sagacidade e "savoir faire" do seu "renascido" país.
Tudo isto enquanto se deleitavam com sucessivos e sôfregos balões de James Martin's de 20 anos. O volume do som e as "atrocidades" que tive ouvir "em fundo" foram redobrando de intensidade e perdendo em fluência. É que foram muitos e continuados balões...
Nem eu, nem um casal brasileiro, nem os dois empregados de serviço ao "regadio", em momento algum, reprovámos, por gestos, esgares de expressão ou intervenção, aquele caudal de inverdades, imprecisões, soluços, inflexões barítonas, distorções de voz e raivinhas mal contidas.
Só faltava mesmo o arroto para o quadro ser pleno.
Limitámo-nos, atónitos e condescendentes, a assistir ao desempenho daqueles "novos senhores" das democracias "emergentes" de uma África vandalizada por "democratas" de fato fino.
Desconheço quem eram, ao que estavam e quem representavam. Sei apenas que vestiam bem - muito bem -, tresandavam a Jean Paul Gautier, calçavam "luvas" de pele vistosa, bebiam do bom e do melhor e ofendiam o país de acolhimento ou visita com linguagem desbragada, de quem está mal com a vida... De quem não acredita que o James Martin's, aos vinte anos, com meia dúzia de balões, começa a mentir muito...
Penso - quero acreditar - que nem todos serão assim. A maioria, garantidamente, não é. Mas o cartão de visita foi entregue... Minoritário mas elucidativo.
Pagaram por aquele "desempenho" em dinheiro vivo aquilo que 4 ou 5 famílias africanas - que não têm relações com o James Martin's nem conhecem o Gautier - disporão, por mês, para se governarem razoavelmente. Os empregados do bar agradeceram com sorrisos de orelha a orelha, o que também não me deixou muitas dúvidas quanto ao motivo.
Saíram para a noite com um destino: forró e gajas. É que nem pejo tiveram em o denunciar com pompa, circunstância e topo de gama com cicerone, à porta.
Não me espantam os 500 mil euros de gajas, os 300 mil de camarotes, os Volkswagens Polo de prenda e outras luxúrias desta nova casta de "donos do mundo", envolvidos no Angolagate.
No meu Sanagate, a coisa, com as devidas proporções, deu para perceber e adivinhar tudo.
Infelizmente, este postal ilustrado estende-se a muitos feudos e condados; não só alguns africanos - que falam português - serão os maus da fita. Nós por cá, também temos a nossa galeria de figurões e de figurinhas que, com o dinheiro dos outros, tratam o James Martin's por tu e o Gaultier pela alcunha.
E é pena. Porque é vergonhoso e imoral.
Até quando esta pouca vergonhagate se passeará impunemente?!...
Medina Carreira: que pena só haver um!...
O dramatismo e a sublime fatalidade de um povo que eu conheço.
"No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E aberta uma varanda para o mundo
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora d'Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha
No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vezes certas
Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco a raiva e a luta
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do mundo
Existe tudo mais que ainda me escapa
É um verso em branco à espera
Do futuro"
Um imenso Obrigado ao José Luís Tinoco (Poema e Música), ao José Calvário (Orquestração) e ao Carlos do Carmo (a Voz)
As pontes vão voltar à ordem do dia. E o país vai mesmo para obras.
Anos nos separam deste Tony Silva. Contudo, porque razão não damos por eles?
Parámos no tempo?
Se não formatarmos o disco, o Tal Canal continuará eternamente actual...
Sina de peixe.
Manifesto anti-Dantas (Final), de José de Almada Negreiros, dito por Mário Viegas.
E temos, e sempre tivemos, tão bons portugueses...
1886 - 1986 (Rio de Janeiro)
Economista, Ministro da Fazenda
"Uma nação em crise não precisa de plano. Precisa de homens."
1. INSTALAÇÕES (Continuação)
c) Abismado e mal refeito com as manifestações culturais dos vitrais, depressa passei ao extâse quando, num breve passeio de olhos, reparei que nos 4 cantos da sala de espera - pegada ao ól e à porta de entrada - pendiam, num suave balançar, 4 estrondosas teias de aranha que, a atentar no rendilhado geometricamente complexo e no diâmetro já razoável, por ali deviam permanecer há muito, muito tempo.
Os descobridores portugueses nos 4 cantos do Mundo e a as aranhas nabantinas nos 4 cantos do Piquete. Era uma imagem histórica e carregada de simbolismos...
Qual desleixo, qual porra! Aquilo era místico.
Ali estavam aqueles rendilhados a lembrar aos mais insensíveis o quanto o tempo, a distracção da vassoura e o engenho de um aracnídeo, permitem. A partir de determinada altura, é arte. E a arte não se destrói.
História... isto é história, é amor à terra que nos viu nascer... é criar raízes, nem que seja no piquete. É ficar... enquanto outros se vão.
Não eram já teias de aranha: eram ateliers de filigrana e joalharia.
A ornamentá-las, as respectivas obreiras: 4 vistosas aranhas, de idade já avançada, a julgar pelo tamanho das patas. Pelo rendilhado pendiam ainda restos mortais de outros bichinhos mais incautos ou clandestinos que, na febre da emigração, acabaram por se meter onde não eram chamados. E lá estavam, naquele parque temático, restos de mosca, de mosquito, de moscardo, de melga e traça. Um iniciático museu de história natural ou uma exposição sobre desastres aeronáuticos, onde o insecto voador - atrevido ou pouco lesto - era o tema.
Procurei pelas as paredes - em vão - uma placa que assinalasse encontrar-me nalguma Reserva Natural ou nalgum Parque Temático. Mas não... aparentemente, as aranhas tinham-se ali instalado ao abrigo de algum Acórdão de Repovoamento ou de alguma deliberação camarária e isto porque não era verosímil que tivessem escapado à fúria das limpezas ou má manipulação de um cabo de vassoura.
Aquilo só podia estar autorizado. E das duas uma: ou os funcionários que ali trabalhavam eram todas da protectora dos animais ou então a Câmara tinha cedido, ad aeternum, o espaço a tudo o que era bicheza, ao abrigo de uma qualquer birrinha e capricho da Europa Comunitária.
E achei bem... até porque o lince ibérico não é mais importante que a pulga nabantina ou a aranha templária. Se é para proteger a bicharada... e se uns são filhos da mãe, os outros não podem ser filhos da pulga!.
Nem eu, nem a Zabel, nos atrevemos a perturbar aquele equilíbrio ecológico e, se já lá estavam, ali deveriam perpetuar as gerações vindouras... No fundo, aquilo até dava um toque surrealista às instalações, podendo sempre vir a ter interesse para o estudo da evolução das espécies. E as melgas, mesmo as caídas em desgraça nas teias que o tempo tece, há muito pedem que a gente se debruce, seriamente, sobre o seu caso.
d) Passei da emoção a um copioso e genuíno pranto de alegria quando verifiquei que as paredes que sustentavam a estrutura das teias de aranha apresentavam uma cor mate amarelada com nuances e "madeixas". Para ser mais preciso e técnico: um badalhoco-mate-texturado com veios de branco.
E que vida dava aquela cor ao ól... Que sensibilidade e bom gosto ali estava plasmado. Aquilo não eram paredes pintadas a trincha e rolo; aquilo eram divagações pictóricas, saídas das mãos de diversos mestres e de diferentes sensibilidades...
Aquilo era a história da pintura e do design gráfico através dos tempos: desde a antiga Monarquia até à actual Rebaldaria.
Por momentos assaltou-me a ideia de poder entrar por ali dentro um pato bravo ou um pintor de biscate, empunhando uma trincha ou pincel de pelos serrados e desatar a pintar as paredes com aquelas cores de catálogo, sempre uniformes e cansativas. Tipo... "homem da Barbot", a exemplo do emproado "homem da Regisconta".
É que lá se iam as dedadas, as palmares, restos de gelado e resquícios fossilizados de macacos do nariz que, aqui e ali, davam um toque impressionista e efeito de "alto relevo" ao emparedado do ól.
Tanta gente, anónima e artisticamente deu o seu contributo para aquele resultado. Tanto miúdo ali rubricou o seu génio... (gente que tardiamente descobriu que a água - esse bem precioso - também serve para lavar as mãos e as fossas nasais). Gente que, sem frequentar as Belas Artes, ali deixou motivos de estudo e de reflexão sobre os caminhos da pintura e que confrontam os mestres com a verdade suprema: também da caca se faz arte.
Não... Também aquilo era de preservar.
Também aquilo era arte: rupestre, equestre, barroca ou, simplesmente, badalhoca.
Que importa... Era arte, e a arte nem sempre é bem compreendida. Nem toda a gentinha tem cultura para perceber a arte... E ali havia-a, segura e abadalhocadamente.
Como é que alguém poderia pensar em destruir aquele amarelo torrado com aqueles floreados artísticos com um bocado de lixívia, um pano molhado... ou mesmo uma trincha.
Só por inveja ou heresia...
(continua)
Texto:©José Tereso / Imagem:afaceesp.org.br
Uma padaria de Turquel - Alcobaça passou a confeccionar pizzas, incluindo nos seus ingredientes maçã e pêra rocha.
A iniciativa é, sem dúvida, uma iniciativa. Mais uma, esta com o louvável propósito, e isso concedo, de promover os produtos da região. Já a promoção do estabelecimento me parece mais corriqueira e deixa-me algumas interrogações quanto à valoração daquilo que a SIC on-line faz do que é potencialmente noticiável.
Longe de ser inédita, diferente, mais saudável e menos plástica, conforme afirmam os proprietários da padaria e a SIC faz eco, o projecto de pizza com maçã e pêra é só mais um a juntar à imensidade de pizzas que recorrem à fruta como ingrediente. Dizer que as pessoas têm a ideia generalizada de que a pizza é comida de plástico mas que com a inclusão da pêra e da maçã o deixará de ser, parece-me ousado e pretensioso. Tão pretensioso quanto o afirmar-se que com uma pêra e uma maçã se revoluciona o conceito de pizza, como o querem os proprietários da padaria.
A pizza era um alimento de pessoas humildes do sul de Itália, onde surge o termo "picea", na cidade de Nápoles, considerada o berço da pizza. "Picea", era um disco de massa assada com ingredientes por cima. Servida com ingredientes baratos, por ambulantes, a receita destinava-se "matar a fome", principalmente da parte mais pobre da população. Normalmente a massa de pão era coberta com peixe, toucinho e queijo.
Dos pobres aos ricos, também nas pizzas, vai a distância que o dinheiro permite. Daí que, desde o toucinho à lagosta, passando pela pêra rocha e pela maçã, tudo a pizza consente e está sempre disposta, com o mesmo círculo, a matar a fome do pobre ou aguçar o requintado paladar do rico.
Tudo é ingrediente. Tudo, salvo seja, a palha d'aço não joga bem com o queijo, embora corte a acidez de algum tomate.
Revolucionar a pizza, no meu conceito, seria escrevê-la com 3 zês e recheá-la com um bom cozido à portuguesa.
Assim se fazem notícias em Portugal. Assim se promovem padarias em Portugal.
Plásticas, ambas, mas com sabor a pêra e maçã.
Very tipical...
Texto:©José Tereso / Imagem:flickr.com
"A Flober" de Mário Henrique Leiria, em "Contos do Gin Tónico".
Palavras ditas pelo saudoso Mário Viegas.
Nasceu há 80 anos, o Borda D'Água.
Dei por ele nos finais dos anos sessenta, numa altura em que o meu pai prezava o seu conselho e companhia, a propósito disto e daquilo. Lembro-me que quando comecei a ir à Cova do Vapor (Trafaria) para banhos, o meu pai acertava sempre com a maré baixa. Eu não sabia nadar e a maré baixa dava muito jeito porque me devolvia o ego. Para mim era magia: acertar nas marés. Tardei a perceber que as idas à praia eram precedidas, às escondidas, da prévia consulta do Borda D'Água. Não era o meu pai, afinal, que acertava. Era o Borda D'Água. E também era o Borda D'Água que lhe dizia quando plantar a salsa e hortelã nos vasos da varanda e lhe ensinava truques e mezinhas para isto e para aquilo.
Pois é... 80 anos de vida e 300.000 exemplares de tiragem anual.
Parabéns Borda D'Água. Parabéns à Editorial Minerva e a todos quantos colaboram neste almanaque.
Porque há coisas que permanecem... Sóbrias, rigorosas e com história. E criam afectos.
Assim fossem outras...
Texto:©José Tereso / Imagem: globpt.com
Canções de toda uma vida.
Histórias musicais de um romantismo que se perdeu pelos tempos.
Que hei-de eu fazer à minha incontida latinidade?
Com isto recuei a 1978...