domingo, 25 de janeiro de 2009

De pega em pega... até sermos pegados!










Nas touradas, quando o grupo de forcados não consegue concretizar a pega "de caras", recorre-se à pega de "cernelha", devidamente coadjuvada por um conjunto colorido de "chocas" que, empurradas por uns senhores de barrete, lá encaminham, com mais ou menos convicção, o teimoso e desafinado touro para os curros.

Faço parte do lote de pessoas que torcem, sempre, pelo touro: de cachecol e bandeira. Numa única situação reconheço alguma coragem aos naturais opositores do touro. Estão neste, particular caso, os forcados. E só não lhes reconheço a plenitude porque enfrentam o animal numa altura em que o mesmo já não é aquele que irrompeu pela arena.

Daí que a pega de "cernelha" me lembre sempre as cabazadas que a nossa Selecção antigamente levava, persistindo, mesmo assim, ser o vencedor "moral" do encontro.

E peguei na escrita por esta ponta porque o Ministério da Justiça acaba de conduzir o "teimoso" para os curros com uma brilhante pega de cernelha, salvuardadas as devidas proporções e analogias.

É verdade... Não conseguindo travar a onda visível de crescente criminalidade - a mesma que é sonegada, estatisticamente, há dois anos para cá - que decidiu escolher as caixas multibanco, distribuídas pelos Tribunais, como alvo apetecível e vulnerável, optou aquele Ministério por mandar retirar, imediata e urgentemente, as 32 caixas Multibanco existentes no interior de vários Tribunais do país.
No cerne de tal decisão, está a opinião do secretário de estado Adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues, que considera que "as 32 caixas ATM não estão encastradas em condições de segurança" no interior dos edifícios. Concluiu, dizendo que "a medida não apresenta quaisquer desvantagens para quem necessita de pagar serviços nos Tribunais, uma vez que tal é possível fazer-se nos terminais de pagamento ao balcão".
Bom... aqui salta-me já a primeira questão: se não há desvantagens, qual a vantagem de as lá ter posto? Obra de um decorador? Um arranjo floral não faria o mesmo efeito? Um chafariz não seria mais adequado? Um terminal da Santa Casa não seria mais rentável?

Para amenizar as conclusões que cada um retirará desta medida, apressou-se a dizer que " estão em curso medidas, orçadas em 8 milhões de euros, tendentes ao reforço da segurança dos tribunais".

Permitam-me, respeitosamente, a "comparança": não se conseguindo vergar o touro "de caras", pegou-se de "cernelha" ao tirar-se-lhe as caixas e agora, com os 8 milhões, vêm as adoráveis chocas convencer o touro a recolher-se aos aposentos.
Tipicamente português.
Quando toda a gente chamava a atenção dos profissionais da distracção que o crime aumentava, quantitativa e qualitativamente, à vista desarmada, vieram os ratos de gabinete esgrimir com estatísticas e comparações bacocas, tentando fazer passar por parvo o alarmado cidadão.

Só que estas coisas pagam-se. E a realidade ultrapassa a ficção. E o único realizador de cinema português que resiste ao tempo com currículo é o Manoel de Oliveira.
Deixem-se de fitas e saiam dos gabinetes. Mas a sério... porque o cheiro a naftalina já chega aos arrumos.

No que concerne aos Tribunais, acho salutar o investimento, sobretudo se pensarmos que os Tribunais poderão começar a cumprir cabalmente a sua função. É que bastava que cumprissem, com qualidade e celeridade, a sua função para que o investimento se reduzisse substancialmente e para que a segurança fosse um bem seguro, naturalmente. Nem 30, nem 400 guarda-costas, farão de mim um homem mais seguro... Quando muito, mais acompanhado. Mas apenas isso.

Também a população prisional actual mereceria uma avaliação suplementar. A actual população prisional custará ao erário público - e baseio-me em vozes e "apanhados" noticiosos - qualquer coisa como 400 euros/recluso. As visões economicistas do problema têm vindo a reduzir, e a arranjar argumentos, o leque de fundamentos que impliquem a reclusão de alguém. Mas chegámos a um ponto da linha em que, na mais podre e intocável liberdade, estarão potenciais - e bem mais perigosos - reclusos que, indevida e ilegitimamente, continuam a engrossar as estatísticas criminais, não sendo previsível o dia em que haja coragem para uma monumental pega "de caras", daquelas em que até o rabujador tem de dar o litro e fica com o rabo na mão...
Até lá... de "cernelha" e com 8 milhões, tentamos demover a fera. A ver se ela se cansa!
De pega em pega, e de cornada em cornada, não escaparemos ao desaire final.
Nem as "chocas" nos acompanharão.
Texto:©José Tereso / Fonte: Lusa / Imagem: tauromania.pt

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