quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Comer fruta por decreto




A terminar o ano, mais uma iniciativa de apreensivos cidadãos que se deram ao trabalho de recolher 20979 assinaturas para submeterem à comissão Parlamentar de Saúde uma petição que visava a criação do Dia Nacional da Fruta, como forma de incentivarem o "povo" a consumir mais fruta.


A Compal promoveu a iniciativa, diga-se.

Percebe-se.


Pasmo apenas com o facto de existirem 20979 criaturas que, ainda que esmagadas por uma crise financeira, económica e social que trespassa o mundo, arranjem ânimo e disponibilidade para orientarem as suas preocupações para a fruta que o "povo" não come.


Meus caros e apreensivos concidadãos:
A fruta faz muita falta. O mundo, tal como o conhecemos hoje, não resistiria sem fruta.
A crise que trespassa o mundo seria bem mais preocupante, não fosse a existência e o consumo do melão, do diospiro, da alfarroba e da nêspera.
No cenário catastrófico que assola o mundo era urgente que fosse instituído o Dia Nacional da Fruta. Que seria o mundo sem o Dia Nacional da Fruta...
Quanta abnegação... Quanta mobilização. Quanta sensibilidade e oportunidade


A vaca dá-nos o leite e a carne. O porco dá-nos a entremeada e o entrecosto. A cigarra dá-nos uma moleza do caraças e lembra -nos sempre os enganos do senhor La Fontaine. A ovelha e a cabra dão-nos o queijo e as peles. O lince ibérico dá-nos preocupações.

A fruta dá-nos saúde e dá visibilidade à Compal.


Sugiro mesmo que as 20979 assinaturas possam, depois de resolvido o problema da fruta, ser canalizadas para outras situações, não tão urgentes, mas ainda assim a merecerem atenção: a fome, o desemprego, os sem-abrigo, a precaridade.
Ah! E o pão... Parece-me que também que merecerá alguma atenção.


Se a vossa petição for avante e o Dia Nacional da fruta for instituído - o que me parece, ainda que haja algum desnorte, não ser previsível - garanto-vos que, também on-line, a minha cruzada a favor da criação do Dia Nacional dos Torresmos e da Sandes de Coirato terá que ser aprovada.
É que numa terra onde há gente que não tem pão, ainda assim o torresmo e o coirato constituem melhor alternativa. Não sei se dão a saúde que a nêspera distribui mas que aconchegam mais a barriguinha, não tenho dúvidas.


A menos que, para lá do visível, queiram acabar com os médicos, vender latas, camuflar o problema do Serviço Nacional de Saúde e resolver os problemas periféricos da fome e precariedade com petições, efemérides calendarizadas e cachos de uvas.

Texto:©José Tereso/Imagem: castmember.com.br

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