...Recordou companheiros e lobos.
Por momentos pegou no telemóvel e lá estavam velhos companheiros.
Nenhum lobo.
Os lobos não telefonam e pouco falam, tinha-se já esquecido.
...Cruzam-se, apenas.
E olham-se.
Fica tudo, solidariamente, dito...

Olhou pela última vez a secretária como se quisesse confirmar que tudo estava arrumado e que ali, também, deixava arrumada a vida. Vinte sete anos de vida.
Ajeitou o candeeiro, certificou-se que acendia, meteu as chaves no armário e nas gavetas, não sem antes ter confirmado que todas elas fechavam o vazio que alguém um dia destes iria abrir e guardar, talvez, outros vinte sete, ou mais, anos de vida.
Apagou a luz do candeeiro, levantou-se, arrumou a cadeira na perpendicular da secretária, ajeitou o tapete e fez-se ao interruptor da sala vazia.
Um último olhar ao espaço e fez-se escuro. Fez-se vazio.
Ajeitou o candeeiro, certificou-se que acendia, meteu as chaves no armário e nas gavetas, não sem antes ter confirmado que todas elas fechavam o vazio que alguém um dia destes iria abrir e guardar, talvez, outros vinte sete, ou mais, anos de vida.
Apagou a luz do candeeiro, levantou-se, arrumou a cadeira na perpendicular da secretária, ajeitou o tapete e fez-se ao interruptor da sala vazia.
Um último olhar ao espaço e fez-se escuro. Fez-se vazio.
Com passo lento e estudado - pensado durante muitos anos - desceu a escada do edifício, passou pelo piquete e, para esconder o embargo da voz, disse:
- Boa noite e bom serviço!...
Nem esperou pela resposta que se adivinhava afundada no sofá frente às notícias, numa interminável contagem decrescente de horas e minutos, só interrompida por medos, aflições e ansiedades.
Assim o pensara, assim o fez.
Saiu para a rua, meteu-se no carro e encaminhou-se para o "Sem Niveau" para se degladiar com uma cerveja fresquinha.
Muitas vezes ali estivera - no "Sem Niveau" -, na mesa dos fundos, com pouca luz, à volta de uma cerveja, a ouvir os acordes de um jazz ambiental e a lamber as personagens que iam entrando. Várias vezes, nesses princípios solitários de noite, experimentou exercícios desgastantes, de ler nos lábios as conversas semi-cerradas dos presentes e os silêncios contidos dos ausentes.
Sempre só.
O hábito e a vida deixaram-no só. E ele acomodara-se.
E mesmo naquele que era o último dia, permanecia, como no primeiro dia, só. Ele sabia que essa era a factura que haveria de ser cobrada, um dia.
Sem festejos, sem despedidas, sem discursos e sem placas evocativas do que quer que fosse.
Nos desenhos da espuma da cerveja procurou em vão o prenúncio do futuro. Só passado ali se lia...
Sem festejos, sem despedidas, sem discursos e sem placas evocativas do que quer que fosse.
Nos desenhos da espuma da cerveja procurou em vão o prenúncio do futuro. Só passado ali se lia...
E saltaram-lhe para a mesa as memórias geográficas da viagem: Loures, Gomes Freire, Oliveira de Azemeis, Bissau, Bubaque, Vladivostok, Pontevedra, Portimão, Faro, Porto, Tomar e Leiria.
E em cada paragem, um gole. E em cada gole, o filme da vida, em off , num technicolor sem rugidos de leão.
Vinte sete anos estavam ali na mesa, a serem despidos à velocidade de uma cerveja.
Recordou companheiros e lobos. Por momentos pegou no telemóvel e lá estavam velhos companheiros. Nenhum lobo. Os lobos não telefonam e pouco falam, tinha-se já esquecido.
Os guardadores de lobos... Bom! Esses, usam telemóveis para encomendar pizzas.
Só o tempo separa um lobo do seu guardador. E a viagem é grande, selectiva e silenciosa...
Os guardadores conhecem-se nos silêncios cifrados e prescindem de cumprimentos.
Cruzam-se, apenas.
E olham-se.
Fica tudo, solidariamente, dito.
Teria a vida toda - ou o resto de toda - para os procurar...
Já de saída, embalado por Norah Jones, decidiu-se: vou abrir um pub.
Subitamente veio-lhe à memória o Harry Anders do MI6 e a nostalgia de um Blue Ice com fragrâncias de jazz e odores a frias clandestinidades. Apenas uma mulher poderia aquecer aquela guerra... mas o fim era previsível: problemas.
Um retiro nostálgico: com esta luz, com este jazz, com estas cadeiras e com estes silêncios.
Os lobos hão-de aparecer e, atrás deles, os guardadores. Quem sabe mesmo se algum pastor, perdido e confundido nas luzes, não se refugiará na mesa dos fundos.
Os lobos hão-de aparecer e, atrás deles, os guardadores. Quem sabe mesmo se algum pastor, perdido e confundido nas luzes, não se refugiará na mesa dos fundos.
Sim, "Blue Ice". Melhor, "Blue Ice Underground Kaffé".
Fica assim.
Quando puder, abro.
Fica assim.
Quando puder, abro.
Eles virão... do frio, talvez.
©J.Tereso
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