terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Bom Natal, Sr. João... Dias, não são dias!


Ficam por que se foram habituando a ficar… no tempo e com ele.
Sem contarem espingardas…



Preferia ter-lho dito pessoalmente… Não o consegui.
Ainda hoje não dei com o jeito de dizer coisas que, não tendo jeito de ser ditas, têm sentido.
Têm apenas sentido…
E as verdades nem sempre o têm. Falta-lhes o contexto.
Contudo, as palavras, como as coisas, têm de ser ditas ou ocorrer quando fazem sentido e não apenas quando se arranja jeito. Há que o fazer… há que correr o risco.
Também não o fiz pessoalmente porque… não ia terminar, possivelmente. Nem você saberia ouvir, provavelmente.
Já nos conhecemos há algum tempo… cada um cioso da margem que ocupa. Você na margem de cá… eu, na de lá. E este mar de percursos que nos separa e que nos impede a travessia descomprometida, minguou-nos as cumplicidades e as unanimidades.
Cá e lá.
E não há geometria, teorema ou equação que queira abdicar da inconvergência. Somos marginais com coeficientes de previsibilidade diferentes: você menos, eu mais! Você vive numa mentira e, em desespero, usa meias verdades para branquear e justificar a necessidade daquela… sabendo, de antemão, que essas mesmas meias verdades se perderão num mar de labrirínticos “ses” , “mas” e “comos”. Eu vivo na mesma mentira… Só que em vez de, no coro dos aflitos, me socorrer de verdades recorrentes, mantenho-me na mentira coerente, sabendo, de antemão, que a mentira só será desmascarada quando se tornar incoerente.Vivemos ambos a mesma mentira, mas com posturas diferentes.
Questões de margens… ou tão somente de carácteres e códigos de honra.
Você debate-se no turbilhão colorido das circunstâncias. Eu permaneço na revolta coerente de, também eu, ser mentiroso, mas previsível e transparente.
Creio que se afastou irremediavelmente da genuinidade.
E o importante, nestas, noutras e sobretudo nas coisas, não é se são belas ou feias: é se são genuínas…
Coisas, com ou sem valor, belas ou feias, pobres ou ricas, doces ou agrestes… mas sobretudo, acima de tudo, genuínas.
Neste curto período de férias que a morte nos concede, persistem duas trágicas verdades que orientam e limitam o que queremos fazer disto: optar ou ser optado, ficar ou fugir.Teimo ainda em optar e muito embora perto da exaustão, vou resistindo, recusando-me a ser assimilado e diluído nas unanimidades e maiorias consensuais… Se reparar bem, somos, no fundo, um produto optado e não é pacífica a aventura de tomarmos para nós a decisão de optar…Fazer parte do coro dos desafinados tem custos… Por vezes perpetuam-se na geração e, mais grave do que isso, são os nossos vindouros quem, por vezes, mais sente os efeitos. Daí que, ser optado, ainda que implique uma entrega e, quantas vezes, uma pacífica aceitação de menoridade, é também uma questão de sobrevivência.
Menor mas segura: daquela sobrevivência que se aconchega à lareira, de pantufas enfiadas, perna cruzada, jornal numa mão e chávena de café na outra, vendo os filhos a crescerem nas nossas opções de eternos e frágeis optados, afinal…
Pois é: também eles, também os seus filhos optados, um dia, sentados à lareira e de pantufas calçadas, embevecidos nas diabruras dos seus netos de agora, orientarão as coisas de molde a que os novos rebentos interiorizem os benefícios que os optados colhem.
Lutar contra isto não é conselho que se dê.
Assume-se… e pronto! O tempo, as coisas e as pessoas se encarregarão de nos apresentar a factura de tão segura atitude.
E paga-se… com dificuldade. Mas há que pagar: sem cedências nem contumácias.
E resta o outro lote: os que ficam e os que fogem.
E quando a m**** cai na ventoínha poucos são os que ficam para a desligar. E isso não os faz heróis… Eles ficavam de qualquer forma. São caminhos… e cada um, irreversívelmente, com o tempo, foi formando o seu.
Não é o acaso… É uma trágica irreversabilidade.
É uma maneira de estar nisto.Ficam… porque alguém tem que ficar.
Ficam por que se foram habituando a ficar… no tempo e com ele. Sem contarem espingardas.
Dos que fogem, dos que já estão longe, dos que se puseram a salvo dos salpicos da m****, a história se encarregará, um dia, de fazer estórias: uns serão eleitos cobardes porque interessa que desçam a isso, outros serão projectados e eleitos como exemplos de coragem porque nunca rasgo que só bafeja os inteligentes, tiveram o bom senso de permanecer limpos.
E interessa, também, que assim sejam acolhidos.
Dos que ficaram, dos que por uma trágica irreversibilade de percursos se vão ficando sempre, a história dirá:

- Alguém tinha de desligar aquilo!

E é esta a diferença: a m**** só deixa de salpicar as alvas e impolutas consciências dos ninguéns de bom senso ou dos cobardes sem senso, quando alguém se lhes atravessa no caminho, interrompendo o perpetuar do circuito.
E neste bem comportado carrocel de ninguéns há sempre alguém que, sem os ninguéns perceberem bem porquê, se lembra de saltar em andamento chateado e revoltado com as razões que levam a girafa, que vai atrás do leão e à frente do hipopótamo, não sair da roda e se sentar a comer uma fartura ou um coirato, perdida no anonimato do pó desta imensa feira desenhada em papel milimétrico.
Fico-me por aqui.
Amanhã é Natal.
Mal acabe este piquete, vou tomar um banho, beber um café bem quente e forte, calçar as tais pantufas, aconchegar-me no tal lume, ver a página de necrologia do DN e, se não constar na lista, passo pelo horóscopo e depois… talvez, e atendendo à quadra, dê uns conselhos à minha Rita…
- Bom Natal, Senhor João … Dias não são dias!


(Se constar na tal lista… bom, ainda que tudo faça sentido, temo não poder assegurar o próximo piquete e tudo o resto).


Que avance o reserva de niguém… Ou alguém.
Alguém tem de se lembrar…
Texto:©José Tereso
Imagem: estudantedigital.esmoncao.com

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