quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Uma vez guardador de lobos...




...Nem todas as conversas e palavras conseguirão explicar o vazio que separa o silêncio do meu olhar da alcateia que te vigia e de que me arredei há muito.





Eu sabia que um dia teria de voltar.
Tinha de voltar. É escusado fugirmos às rotas, encontros e desencontros que um dia nos couberam em sorte.
Nómada entre isto e aquilo, vagabundo de caminhos e trilhos, um dia pensamos ter já feito tudo e que nada mais há a acrescentar. Tudo está consumado. Atingimos a sabedoria...
Um amanhecer qualquer deixa-nos irremediavelmente varridos por uma tempestade de mudança que afinal nos vem lembrar que não somos donos do tempo e das coisas: o que parecia acabado, explicado, entendido e dominado, deixa de estar.
E voltamos à condição de errantes.
Mas pior ainda: quando pensamos que tudo voltará depressa a ser como dantes - porque já sabemos escolher os caminhos - deparamo-nos perdidos a olhar um mapa desactualizado e onde tudo está onde antes não estava.

Só então caímos na nossa pequenez, impotência e ignorância perante as voltas do destino. Só então nos apercebemos o quanto nos falta ainda viver, na errática busca do caminho que nos há-de apaziguar os fantasmas e os medos
E resta apenas uma única saída: começar de novo.

Um estranho sentimento de que tudo haveria de se passar assim, assaltava-me o sono e enchia-me os sonhos de suores gélidos. Não fui, pois, apanhado desprevenido.
Eu sabia que um dia teria de voltar a refazer-me nos caminhos e trilhos, a levantar a poeira das memórias e, num solitário e salgado regresso ao início da despedida, aprender a viver de novo.
Não só por mim. Não só para mim... Mas para te proteger e proteger-te.
E voltar a guardar-te dos lobos.
Em silêncio...
Nem todas as conversas e palavras conseguirão explicar o vazio que separa o silêncio do meu olhar da alcateia que te vigia e de que me arredei há muito.
Chega um dia em que a alcateia prescinde dos muito usados e dos que se começam a atrasar e desafinar nos uivos... Um dia, todos chegamos aqui.
E fazemo-nos ao caminho. Sem um último olhar. Sem uma despedida... para que um dia saibamos regressar e para que o fim tenha a dignidade do percurso.
E aqui estou...
Para te proteger... E só por isso.
Vou continuar a guardar lobos, então.
Uma vez guardador de lobos... Guardador de lobos, sempre.

©J.Tereso

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