segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O "refresh" do auditório...


(in "Conversas com lobos" - 25.09.2007)
Da autoria de um ex-inspector da Polícia Judiciária, foi lançado, aqui há dias, o livro “A estrela de Joana”.
Propôs-se o autor revelar pormenores inéditos relacionados com as investigações do caso Joana Guerreiro – a menina de oito anos desaparecida em 12 de Setembro de 2004 da Aldeia de Figueira, perto de Portimão.

Três anos depois do desaparecimento – e falo de desaparecimento porque o corpo nunca foi encontrado – vem este ex-inspector ressuscitar para o leitor a promiscuidade e morbidez sanguinária protagonizada, segundo sua versão, pelos protagonistas do caso.

Não sei se os pormenores dos relatos dos intervenientes vêm saciar algo ou preencher alguma lacuna do panorama literário português.

Mas se já isto me parece desajustado, até porque permanecem sem resposta questões que se levantaram no decurso da investigação, não vejo a utilidade, a oportunidade e o sentido que impele alguém (que activamente participou na investigação, não tendo conseguido esclarecer cabalmente os factos no decurso desta) a escrever uma peça que coloca o enfoque naquilo que de mais brutal e mórbido pode haver no ser humano, a acreditar na versão literária.

Porque o essencial permanece na penumbra e esta é sempre subjectiva e susceptível de romance.
Porque o essencial é que a pequena Joana nunca apareceu pese embora todos os interrogatórios, confissões, desabafos e a requisição de “especialistas” a um Departamento da PJ de Lisboa, como ouvi algures, para a cabal resolução do caso.

É que o desaparecimento que envolve a pequena Joana não é único… há mais crianças desaparecidas em Portugal.
Demais… para o desejável e suportável: haver nenhuma.
E se há pais que, eventualmente, possam estar envolvidos no desaparecimento – e o caso de Joana poderá presumivelmente ser um dos exemplos –, outros há que permanecem na angústia de saber o que se passou com o seu filho, ou filha e que a sua interveniência foi apenas a constatação do facto e a dolorosa e sofrida espera por notícias. Até hoje, nalguns casos.

Prescindem bem estes últimos de, mesmo literariamente, se especularem cenários. Pensou eu, como pai.
E assim, um livro porquê?
Para quê?
Sinceramente, prefiro não responder com palavras.
Seria óbvio demais.
Prefiro responder com o silêncio de todos os pais que ainda têm esperança de um dia voltar a ver o filho que lhes desapareceu…
Nenhum livro os devolverá.

É que este contínuo desfilar mediático de personagens Ex-Qualquer Coisa e que, em dado momento da sua vida, por diferentes opções, deixaram a Coisa, enveredaram pelo caminho que os verdadeiros investigadores ( independentemente da área de trabalho) sempre rejeitaram: o mediatismo e a exposição.

E é a isto que vamos assistindo: à proliferação de uma casta mediática de especialistas mas também de palpiteiros e paisagistas – salvaguardando o devido respeito pelas pessoas – que encontraram na comunicação social a compensação e a publicidade que a Qualquer Coisa não lhes dava, não potenciava e rejeitava solidariamente com os que sempre fizeram o trabalho, no mais espartano dos anonimatos, em equipa.

E grandes e anónimos foram - e são ainda hoje - muitos inquestionáveis especialistas, nas mais diferentes áreas.
Grandes e anónimos por uma questão de hábito e missão.

A comunicação social usa os ex-qualquer coisa e eles, os que não se sabem acautelar, deixam-se usufruir rendidos ao brilho das luzes.
E é vê-los a opinar, a palpitar, a gerirem a órbita que os amarra e promove.
Saem da Coisa mas não resistem ao prefixo ex-Coisa.

Tudo isto para dizer que a morte vende… vai vendendo, reedita-se e foi lançada na banca, despudoradamente.
Eu não compro… prefiro reflectir no que não se sabe e que permanece nos bastidores do silêncio dos desaparecidos
©J.Tereso

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