sábado, 27 de dezembro de 2008

Inquietações estóricas do Zeke






Conheci o Zeke Skreve já lá vão 5 capicuas de anos.
Já são 55 natais de monólogos e de conspiração.
Habituámo-nos um ao outro e temos um cúmplice e sereno convívio, mantendo-se sempre aqueles rasgos de amor/ódio que sublimam as tréguas e as pazes.
O Zé escreve-me, de vez em quando, a dizer aquelas parvoeiras que ele sabe que eu aprovo mas de que me privo por respeito: o espaço é dele, está bem entregue… para quê vandalizá-lo!..
O mesmo faz ele comigo: não me invade o espaço.
Trata-me por Zé sabendo que isso é a chave de tudo e o livre trânsito para se pavonear na minha cabeça.
Só os amigos me tratam por Zé... e ele sabe disso.Abusos? Não… feitios!
Fazemos a barba – a mesma barba – no mesmo espelho e nunca ele me fez reparos ao ritual; limita-se a imitar-me e a usar o mesmo after-shave.
Suportamo-nos sem nos ofuscarmos mutuamente. Como se o silêncio de um não invadisse o barulho do outro.Estranho, não?!...
O Zeke escreve ... passa os dias a atanazar-me com as suas investidas (i)literárias e eu, para não romper com esta cumplicidade, publico-lhe as parvoeiras que lhe vão ocorrendo.
Aqui há dias escreveu-me uma cartita, assim:
Zé – percebi logo que se ia “esticar– dizia-se, em tempos, que um homem só o era efectivamente se semeasse uma árvore, fizesse um filho e escrevesse um livro.
Bem se vê que o mentor de tal “tirada” não nasceu, nem viveu aqui em Portugal.
Aqui os homens não se medem aos palmos e ainda menos em árvores, filhos ou livros.Temos uma medida diferente.
Somos descendentes dos homens de quinhentos, dos que deram novos mundos ao mundo sem desbaratarem o ouro e as divisas que, abrangente e abnegadamente, foram “recolhendo” aqui e ali. Mais ali que aqui.
Somos um povo de passado que, no dia 10 de Junho, dele não se esquece e, sobretudo, porque não há mais nada para dizer depois dele.
Bom, está bem... temos ainda os anos do Ronaldo, o aniversário do baptizado do Mourinho, os fados da Mariza, os 45 anos de carreira do Tony da Mesma e o florescente deserto da margem sul.
Somos um povo de fibra e de raça e profundamente religioso; difundimos a fé ao mesmo tempo que refundimos a canela, a pimenta, o majericão, a palha d’aço, o talão do Euromilhões, as facturas manhosas e o esfregão limpa-vidros, numa harmoniosa alquimia de odores, especiarias e fedores.
E os Mouros?! Aí é que foi !...Levaram poucas!…
Quando se começaram a bronzear nos areais de Vilamoura e da Quarteira, a comerem à grande, e à pala dos acórdãos Luso-Marroquinos, no Gi-Gi... veio por aí a baixo o Afonso Henriques que, não era muito dado a mariquices, e:
- Fora… xô! Para lá do rebentar da maré!...
Isso sim… era serviço!
Quais intercâmbios culturais!...
Podes dizer-me que foi chato os homens terem ficado sem os chalés e os arabescos e aquelas pantominices marroquinas mas, porra… virem para aqui abarbatar-se às areias do portuga, porem nomes às coisas a começarem por “Al”, andarem a vender tapetes e lamparinas - quando a gente tinha melhor em Arraiolos – sem pagarem népia - quais factura, quais IVA!
Vamos lá a ver!…
Isto aqui não é a pensão da viúva Cunha!...

Depois começaram a abrir uns espaços comerciais que tresandavam a velas e a paus de cheiro, a venderem fumos e chinelas com a ponta revirada. Ganzas?!... O que é isto?!...Mas o que é isto?!...
O Afonso tinha de se passar! Olha quem!...
- Offshore com essa gente!
É que o gajo, por muito menos, tinha ido à cara à mãe!... E sabes o que é que ela disse, na altura?...
- Ah! sabe o meu Afonso é hiperactivo, tem um síndrome qualquer e não pode ser contrariado… pode ficar com um pós-traumático qualquer e daqui a amanhã, sabe-se lá se não se mete na política ou na droga!… ou se ponha a vender selos, ou terrenos na OTA!... Traumas, não!... Isso não! Educação, sim… mas com acompanhamento psicológico na justa medida das reacções psicossomáticas e de acordo com a arquitectura genética e embrionária do Afonso…


(Desculpa-me lá, mas a mãe dele era mesmo da linha… O que é isto?!... Somáticas?!... Embrionárias!...)

Olha que deve ser duro uma mãe levar um arraial do filho...
É que a mãe nem à GNR de Barcelos foi apresentar queixa… Comeu… e calou!
E quando as coscuvilheiras das vizinhas vieram com as merdices do costume a meter veneno, ela disse que o Afonsinho tinha um personalidade muito vincada e que isso só o valorizava… Ah! mãe do caraças!... Assim, sim!

Isto de vizinhas, também sabes como é que é… Um gajo compra um MP3 e elas, pimba, compram um Audi 4 porque o 4 é maior que o 3!...
Estou farto de ver estes filmes!...

Zé, mas não era por isto que eu te escrevi - mau!… vai-se mesmo esticar – porque, com esta coisa, afastei-me do assunto mas há coisas que têm de ser ditas.
Bom, mas deixemos isto e vamos ao assunto… Ou melhor… não vamos ao assunto agora porque tenho de ir ao Lidl comprar arroz basmati para fazer um pudim flan…
Tenho cá visitas e há um gajo que é perdido pelo meu bacalhau com natas… Amanhã acabo o que era para te dizer…
Um abraço
Do teu amigo, Zeke Skreve.
Texto: ©Zeke Skreve
Imagem: fotos.sapo.pt

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